Exposição “Lua em Primavera” une arte à luta contra o câncer de mama

De 22 de outubro a 9 de novembro, o Espaço Marco do Valle, em Campinas, apresenta “Lua em Primavera”, exposição composta de obras que misturam esculturas, fotografias, instalações e performances interligadas ao testemunho íntimo da educadora e bailarina Keyla Ferrari, diagnosticada por duas vezes com câncer de mama e que encontrou na dança seu caminho para a cura do corpo e da alma. Com curadoria de Julyana Troya, a mostra é uma fusão entre cultura e resiliência, com o objetivo de celebrar a superação, a feminilidade e o poder transformador da arte.

A abertura acontece no dia 22, às 17h, com a apresentação de bailarinas em cadeiras de rodas e do coral de Libras do Centro Educacional Integrado (CEI) Santi Capriotti. O nome da exposição surgiu durante um sonho de Keyla, quando fazia seu primeiro tratamento contra um câncer de mama, diagnosticado em 2017. “Esse título evoca a lua, símbolo cíclico de renascimento, e a primavera, metáfora do florescer após um inverno árduo”, explica Kelya.

Lua em Primavera Credito AlmaInclusiva
Lua em Primavera/Crédito Alma inclusiva

O segundo diagnóstico veio em 2023. Hoje, Keyla celebra cinco meses em remissão do câncer. A doença em seu caso se deve a fatores hereditários de predisposição. Sua mãe, já falecida, recebeu o diagnóstico quando a bailarina tinha 6 anos e apenas uma de suas três irmãs não sofreu alterações indevidas de genes.

Além da dança, a bailarina explica que “Lua em Primavera” também faz uma homenagem ao sagrado feminino. Ela guardou suas radiografias e suas caixas de remédios, símbolos do tratamento e da esperança, e hoje se transformaram em obra de arte pelas mãos da artista visual Nicole Izzo. “Essas peças simbolizam a transformação da dor em beleza, do sofrimento em arte, e o poder que as mulheres têm de reescrever suas histórias.”  Em uma sala, chamada de “Primavera”, a bailarina fará performances, onde buscará mostrar a importância da espiritualidade. Por isso, o espaço contará com velas e flores. Um ambiente criado para transcender as obras e levar o público a fazer uma autorreflexão.

“A exposição é um convite para que as mulheres se lembrem da força feminina, da capacidade de renascimento e da transformação. Mais do que uma narrativa pessoal, Lua em Primavera é uma ode ao poder da superação e à arte que nasce em meio à adversidade, trazendo um novo olhar sobre o corpo, a cura e o feminino sagrado.”

 

Lua em Primavera Central Credito Almainclusiva
Lua em Primavera_Crédito: alma inclusiva

 

Exposição imersiva

A curadora Julyana Troya, que já trabalhou com Keyla em seu primeiro curta-metragem “O giro da bailarina”, título homônimo do livro que conta a história de uma bailarina-cadeirante, diz que a mostra será composta por instalações artísticas que articulam com as memórias e os sentimentos da artista, desde sua infância até os dias atuais, oferecendo uma imersão para que o público ative seus sentidos e sensações e sinta como é a força e a labuta de combate ao câncer.

“Penso que, para além da luta contra o câncer de mama, que é muito emocionante e estará evidente nos objetos selecionados e na criação artística da dupla Keyla e Nicole, a exposição oferece a oportunidade de vivenciar a energia focada no processo do tratamento de Keyla, que é um exemplo para o mundo e para pessoas e familiares que estejam passando por isso, tanto em relação à saúde emocional, como física, mas sobretudo no modo como é possível ressignificar – sem romantizar pois realmente não é fácil –  os momentos de angústia, tristeza e ansiedade em união, amor e gratidão”, conta Julyana, agradecendo a oportunidade da curadoria ao lado da artista como forma de ressignificar seus próprios sentimentos em relação à experiência com o recente tratamento de câncer de próstata de seu esposo.

 

A “Onda”

Para poder transmitir os sentimentos, as emoções e a história de Keyla, a artista visual Nicole Izzo Picinin se reuniu algumas vezes com a bailarina. “Quero que as minhas obras falem por si, que sejam sentidas e decifradas por quem as contemplarem, transbordando em sensações de medo, coragem e autoestima nessa reconstrução do processo de tratamento da Keyla”, explicou Nicole.

As obras de Nicole ficarão expostas em dois ambientes do Espaço Marco do Valle. Na primeira delas, um desenho em nanquim e carvão buscará remeter a infância da bailarina quando descobre o câncer de sua mãe.

Na outra sala, a artista irá expor uma escultura intitulada “Onda”, que mescla técnicas de colagem e as fotografias de FBarella e de arquivo pessoal da bailarina. As imagens vão da infância até os dias de hoje de Keyla, buscando levar o público a uma viagem reflexiva, subjetiva e pessoal. A escultura terá ao seu redor espelhos, proporcionando um jogo de imagens.

“Onda” é feita com as caixas de medicação utilizadas por Keyla durante seus tratamentos. A artista abriu todas as caixinhas e as deixou planas, colando-as como se fossem um castelo de cartas. “Busquei criar algo que retratasse uma linha do tempo, e a forma da escultura é de a uma onda, para simbolizar as fases de sua vida.”

Vale lembrar que Keyla teve de acionar a Justiça para obter as medicações. A primeira caixa conseguiu comprar graças à ajuda de amigos que fizeram uma vaquinha virtual até que fosse dada a decisão judicial. Na mesma sala, Nicole apresentará uma colagem digital com as radiografias mais antigas de Keyla.

 

Fotos com musicalidade

O fotógrafo Fabio Barella conheceu Keyla quando estava recém diagnosticada. “Ela queria fazer um registro dos longos e densos cabelos pretos que inevitavelmente se perderiam por causa do tratamento. Programamos e fizemos um primeiro ensaio, usando os experimentos e estudos que eu fazia como fotógrafo amador”, conta. “Meu processo de criação quase sempre se dava numa sucessão de ensaios, onde iam surgindo caminhos e proposições, os mais atraentes e substanciais eram desenvolvidos.”

FBarella lembra que Keyla tinha sido bailarina por muito tempo e a música rapidamente assumiu a direção das coisas. “Na sala de espera da morte inventariamos a vida que tivemos. Quem não conhece essa história? Pois eu vi acontecer, fui testemunha.” FBarella conta que a bailaria ia acessando seu passado através das músicas usadas nos ensaios, que eram como caixas guardando emoções das mais diversas.

“Fomos de ‘Maria Fumaça’, de Kleiton e Kledir, onde ainda criança, sacudia-se freneticamente na cadeira de balanço da família até as densas e profundas interpretações mais dolorosas de Elis Regina em ‘Atrás da Porta’, de Francis Hime e Chico Buarque. Eu ia junto, pegando carona, como um turista que se apropria ilusoriamente de tudo através de fotografias. Assim surgiu a amizade e depois o amor. A morte veio, mas não ficou, passou por ela, deu o seu sermão e partiu. Eu, como outra criança à que foi dirigida a bronca, fiquei ali, constrangida e segura. Ainda que não fosse para mim a reprimenda me compadeci pela via da empatia.”

 

 Trajetória de superação

Aos seis anos, Keyla tomou conhecimento de que sua mãe estava com câncer em uma das mamas ao ver nela um enorme buraco, fechado pela cicatriz dos pontos da cirurgia, e os seus braços muitos inchados. “Naquela época, essa doença era sinônimo de morte”, recorda. “Hoje, sei que ela ficou devido a um severo esvaziamento axilar (retirada dos linfonodos que fazem parte do sistema de defesa do organismo na região da axila e que também podem conter células do câncer de mama).”

Por isso, segundo Keyla, sua mãe se tornou uma pessoa muito triste.  “Eu vivenciei isso na minha infância. Então, uma das obras da exposição retrata o olhar da criança sobre o corpo materno doente. Infelizmente, antigamente isso não era trabalhado.” Das três irmãs, duas tiveram câncer. Chegou a imaginar que, por ser a caçula, por já ser mãe e dançar, poderia fugir da genética hereditária. “Achamos que isso nunca vai acontecer com a gente.”

Por isso, o primeiro diagnóstico foi um luto profundo e longo. “Eu me lembro de não sentir o chão quando peguei o resultado do exame da biópsia, de descer as escadas no escuro porque, naquele dia, havia faltado energia elétrica no prédio e de achar que fosse cair em um buraco.” O choro veio numa explosão de raiva e preocupação. Passada a fúria, redescobriu o seu corpo, que já estava diferente, mais velho e com efeito da quimioterapia. Até então só dançava para reabilitar seus alunos com deficiência. Agora, dançava também para ser feliz.

Em 2023, descobriu o mesmo tipo de câncer no mesmo lugar de novo. Junto com a dor veio uma nova descoberta: estava de novo se sobrecarregando, trabalhando demais e esquecendo de sua essência. Foi então que passou a trabalhar dentro do meu limite, sem se sobrecarregar. “Entendi que eu tinha que respeitar mais o meu corpo, que eu não podia parar de dançar e que tinha de fazer as coisas que eu gostava.” Além de dançar, buscou mais contato com as flores e a espiritualidade, com a meditação.

 

“Tenho um tratamento medicamentoso que preciso seguir para o resto da minha vida.” 

Por isso, Keyla quis fazer a exposição para ajudar mais mulheres com câncer de mama a passar por este momento difícil. “O câncer não é nossa culpa, mas a gente pode aprender com a doença, aprender a nos valorizar, a nos amar mais.” Keyla lembra que o Outubro Rosa é um excelente momento de colocar os exames em dia para se ter um diagnóstico precoce e falar sobre a importância de se ter uma rede de apoio. “Faça o que você mais gosta, independentemente de estar ou não com câncer de mama! No meu caso, amo a dança! Te convido a dançar comigo na Lua em Primavera.”

Sobre os artistas

 

Keyla Ferrari – Bailarina, graduada em Pedagogia com especialização em LIBRAS. Mestrado e doutorado em atividade física adaptada pela Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (FEF/ Unicamp), atua como docente e palestrante na área da educação especial e dança inclusiva com jovens e adultos com deficiência

Julyana Troya – Curadora do Espaço Marco do Valle há cinco anos e coordenadora do Instituto Marco do Valle onde trabalha com o acervo do artista. É docente e criadora de projetos que estimulam as fricções entre a arte contemporânea em seu campo ampliado e a mediação cultural como o Acervo Escola e o Pontes Culturais. Proprietária da Bacia Cultural.

Nicole Izzo – É artista/educadora/pesquisadora. Mestranda em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e é bacharel e licenciada em Artes Visuais pela mesma instituição. Tem experiência na educação formal e não formal como educadora de artes, mediadora cultural e oficineira de modelagem. Integrante da comissão organizadora do III Encontro de Artes Visuais da Unicamp, do Grupo Multidisciplinar de Estudo e Pesquisa em Arte e Educação – ECA USP e do Grupo Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Poéticas em Artes – GIEPPA Unicamp. Atualmente, é facilitadora pedagógica na Universidade Virtual do Estado de São Paulo.

Fabio Barella – Nasceu em 1975 em Cosmópolis (SP). Estudou desenho na escola Traço Bizarro em Sumaré e cursou fotografia na Escola de Panamericana de Artes em São Paulo. Adotou o pseudônimo FBarella. Adepto das experimentações desenvolve seu trabalho tendo como aspecto central a fotografia. Para Fábio, a arte é a ciência do artista que explora suas inquietudes e decifrações para o universo interno e externo das pessoas e sociedades.

 

Serviço da Exposição “Lua em Primavera”

Abertura: 22 de outubro de 2024 (terca-feira), às 17h

Visitação: De 22 de outubro a 9 de novembro de 2024

Horário: Das 9h às 16h (seg), 9h às 17h (terça a sexta) e 9h às 13h (sábado)

Ingresso: Entrada gratuita

Local: Espaço Marco do Valle

Endereço: Rua Doutor Quirino, 1856, na Vila Itapura, dentro do CEI Campinas

Informações: contato@ceicampinas.org.br

Telefone: (19) 3233-6560 | (19) 3241-0629

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