Magda Raimundo fez trajetória da infância na Fazenda Chapadão às praças de esportes
O sentimento de “dever cumprido” é expressado por Magda Raimundo na merecida aposentadoria do serviço público, após 37 anos de dedicação e exemplo
O ciclo dedicado ao esporte da servidora pública e ex-jogadora de basquete Magda Raimundo se encerra neste dia 1º de julho de 2023, com a chegada de sua aposentadoria. O esporte como transformação é um roteiro escrito por ela mesma, da infância vivida na Fazenda Chapadão, à paixão pelo basquete que a levou as experiências nas quadras até o sacerdócio de 37 anos nas praças de esportes municipais de Campinas, que construíram um legado de admiração e respeito no âmbito profissional.
Sua trajetória de contribuição para o desenvolvimento de jovens da periferia é uma realidade. Hoje, muitos são gratos à paciência e aos ensinamentos de Magda e responsáveis por uma conduta reta na sociedade. A definição de “dever cumprido”, feita por ela, é o resumo destas quase quatro décadas de trabalho diferenciado, sustentado com profissionalismo e afeto para a cidade de Campinas por meio do esporte.
Altura ajudou
A menina Magda, filha do militar Benedito Raimundo e da dona de casa Cândida Frutuoso Raimundo, teve uma infância de brincadeiras e estudos, junto com a irmã mais velha Magali, na Fazenda Chapadão. Mais tarde, o pai, já na condição de funcionário federal, tinha como hobby o basquete. Como técnico das categorias de base do Clube Andorinha, levou Magda, aos 11 anos, para jogar.
Austero, exigia da filha, a maior da turma, já com quase 1,75 m, aplicação redobrada em relação às demais jogadoras. De forma alguma, seu Benê, como era conhecido, admitiria associar a presença dela no time titular ao grau de parentesco.
Para aliviar a pressão, resolveu experimentar o vôlei, que era comandado pelo técnico China. Os treinamentos e alguns amistosos só reforçaram que o biotipo de Magda era mesmo apropriado para o basquete.
O que poderia ser apenas uma atividade física no início, se transformou em projeto de vida: ser atleta e obter recursos financeiros por meio do esporte. Assim, Magda foi contratada e jogou pelo Círculo Militar e Bonfim. Disputou torneios e copas regionais entre as cidades num circuito de 100 km de Campinas.
Acidente sério
Com o prestígio adquirido por onde passava, recebeu convite para integrar a equipe de Sumaré, no início da década de 1980. Foi beneficiada com o projeto “Adote Um Atleta” e recebia dois salários mínimos. “Eu ia de perua treinar durante a semana. Ajudava muito. Uma experiência inesquecível”, pontua Magda.
Nos Jogos Regionais de Santa Bárbara, fez parte do time que representou Campinas. Na quadra, a equipe abriu uma vantagem enorme sobre a cidade anfitriã. Magda, cestinha do jogo, sofreu uma lesão no joelho e deixou a quadra. O time perdeu força e energia. Passou a ser dominado pelo adversário. No sacrifício, com o joelho enfaixado, voltou para a quadra e ajudou a equipe a vencer.
Alguns meses depois, junto com outras atletas de Campinas, Magda foi vítima de um acidente muito sério quando retornava do treino. “Um cara bêbado bateu de frente com o fusca que a gente estava. Foi um desespero”, relembra. O trauma ficou. E a meta de parar com as viagens, ganhou contorno real ao ser convidada para integrar a equipe do então Departamento Municipal de Educação Física, Esportes e Recreação (DMEFER) de Campinas.
A seriedade e o comprometimento de sua atuação valeram a contratação de Magda para integrar o quadro de funcionários públicos da Prefeitura em 1986.
João do Pulo é parte da vida
A experiência inicial de Magda Raimundo no funcionalismo público foi na Praça de Esportes dos Trabalhadores, na Vila Castelo Branco, dando aulas de basquete. No mesmo ano, para ampliar um projeto para a população, foi transferida para a Praça de Esportes “João Carlos de Oliveira”, o “João do Paulo”, onde construiu a carreira profissional e o crescimento como cidadã.
A procura por atividades em espaços públicos nos anos 1980 era muito grande, assim como o interesse pelo basquete. O trabalho voltado para adolescentes, fluía com naturalidade e produziu bons resultados entre os alunos. “Quem tinha talento, seguia para o grupo de treinamento. Mas a intenção sempre foi qualidade de vida, procurar ensinar algo que pudesse contribuir para o crescimento como gente”, conta Magda.
As aulas de basquete ministradas por ela e pela professora Luciane Analeto, em períodos alternados, reuniu uma legião de simpatizantes pelo esporte. Era sempre muita gente. “Como sempre pautamos pela organização, temos que ser exemplos. Sempre tinha muita gente na praça, inclusive quando dei aula à noite. Era até às dez da noite às vezes, com mais de cem jovens presentes”, se orgulha ao lembrar.
A criação de novos projetos esportivos pela Prefeitura de Campinas, ao longo dos anos, deu a Magda a oportunidade de trabalhar com Conceição Geremias, uma das estrelas do atletismo nas décadas de 1970 e 80. Tem gratidão também ao ex-diretor de esportes Domingos Gigli e a atual coordenadora da Secretaria de Esportes e Lazer Renata Baronti. Receptiva ao novo, aprendeu a importância de ampliar os conhecimentos, por isso atuou firmemente em projetos voltados para a modalidade de vôlei.
Na esfera pessoal, a Praça de Esportes “João do Paulo” também foi responsável por levar Magda a conhecer Antônio Carlos da Silva, ex-jogador do Guarani, que se transformou no companheiro de vida. Rafaela Fernando da Silva é a única filha do casamento, mas o xodó da família no momento é Eloísa da Silva Galhardo, a neta de 3 anos de idade.
A herança profissional
O convívio respeitador, às vezes rígido, com os alunos é também orientador para a maioria das pessoas na convivência diária, e é um patrimônio da relação humana que Magda Raimundo construiu. Mas, principalmente, ajudou a construir. A falta de estrutura familiar na periferia é um desafio para quem tem, de alguma forma, a missão de educar. De passar valores muitas vezes ignorados ou, até mesmo, desconhecidos.
Por isso, cada criança, adolescente ou adulto que tenha apreendido as orientações de Magda Raimundo teve a chance de arquitetar um futuro mais promissor, digno, a que todo cidadão tem direito.
Entre os alunos que compreenderam os conselhos dela e levaram a sério a correta conduta de vida, está Éverton Moraes Bueno que fez carreira no basquete, jogou por vários clubes do Estado de São Paulo. É voluntário do projeto social Baskad’Quebrada, voltado para comunidades da periferia, em que procura repassar os ensinamentos descobertos por quem tem imensa admiração. Ele acentua essa admiração em uma postagem em uma rede social: “Foi minha primeira professora de basquete, aos 10 anos de idade, opção para me desviar da violência urbana. Me tornei um homem de bem graças ao basquete, meus pais, e a professora Magda, minha gratidão, por transformar o suficiente em extraordinário”.
É por isso, que a definição de “dever cumprido” expressada por Magda Raimundo sugere uma aposentadoria merecida, serena e tranquila, depois de tantos anos de dedicação ao serviço público.
Jornal do Castelo (19) 99545 2000
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